O Ministro André Mendonça, no julgamento do RE nº 1.558.191 (SP), reforçou o entendimento de que a Taxa SELIC deve ser aplicada como índice legal de juros moratórios nas obrigações civis, conforme o art. 406 do Código Civil.
O voto consolida a busca por uniformidade jurisprudencial e alinha o Direito Civil à política econômica e tributária do país.
Contexto do Julgamento
A definição da taxa de juros moratórios incidente nas relações civis é tema que há décadas ocupa espaço relevante na doutrina e jurisprudência brasileiras. O debate central gira em torno da interpretação do art. 406 do Código Civil de 2002, que dispõe:
“Quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional.”
A controvérsia sempre esteve em determinar se tal norma remete ao art. 161, § 1º, do Código Tributário Nacional (que prevê juros de 1% ao mês) ou, ao contrário, à Taxa SELIC, hoje utilizada pela União para atualização de seus créditos tributários.
No caso examinado, o Ministro Luís Felipe Salomão votou pela aplicação de juros moratórios de 1% ao mês, cumulados com correção monetária, em linha com a leitura conjugada do art. 406 do CC/2002 e do art. 161, §1º, do CTN. Contudo, prevaleceu a divergência aberta pelo Ministro Raul Araújo, que defendeu a aplicação da SELIC como a interpretação correta do art. 406.
Posteriormente, o Ministro André Mendonça, no STF, alinhou-se a essa corrente, reforçando a necessidade de uniformização da jurisprudência e reafirmando que a taxa legal de juros moratórios, à luz do Código Civil, deve ser a SELIC.
Fundamentação: SELIC como taxa legal
O voto do Ministro André Mendonça destacou três premissas centrais:
- Ausência de referência ao CTN: o art. 406 não remete ao art. 161 do CTN, mas sim à taxa aplicada na mora de impostos federais — que, por legislação específica, é a SELIC (Lei 9.065/95, Lei 9.250/95, Lei 9.430/96 e Lei 10.522/02).
- Natureza híbrida da SELIC: a taxa engloba correção monetária e juros moratórios, evitando cumulação de índices e mantendo coerência com a política econômica instaurada após o Plano Real, que buscou estabilizar a moeda e evitar mecanismos de indexação múltipla, comuns no período inflacionário anterior.
- Reconhecimento constitucional: a EC nº 113/2021 consolidou a SELIC como parâmetro para atualização monetária e juros de dívidas da Fazenda Pública, reforçando sua legitimidade como parâmetro oficial também nas relações civis.
Crítica ao percentual fixo de 1% ao mês
O Ministro André Mendonça destacou que a fixação de juros moratórios de 1% ao mês, cumulados com correção monetária, cria uma realidade paralela em relação ao sistema financeiro nacional.
Enquanto as instituições financeiras e a própria Fazenda Pública estão vinculadas à SELIC, o credor civil, nessa hipótese, passaria a ser beneficiado por uma taxa muito superior, com caráter punitivo e desproporcional.
Essa desarmonia viola, segundo o voto, não apenas o art. 406 do CC, mas também a lógica de equilíbrio e uniformidade do sistema econômico.
Além disso, rememora-se que o Código Civil de 1916 previa juros legais de 6% ao ano, mas a opção do legislador de 2002 foi não reproduzir uma taxa fixa, e sim remeter ao índice aplicado pela Fazenda Nacional, reforçando a vinculação à SELIC.
Papel do Judiciário e a separação de poderes
Outro aspecto relevante do voto está na advertência quanto aos limites da atuação judicial.
Se a escolha da SELIC como índice único é ou não a mais adequada para as relações civis é uma questão de política legislativa, a ser discutida no âmbito do Congresso Nacional. Ao Judiciário cabe aplicar a lei vigente, sem substituí-la por interpretações que desvirtuem sua literalidade.
Nesse ponto, o voto mostra deferência ao legislador e ao arranjo econômico-político estabelecido, em linha com decisões anteriores do STF, como na ADC 58, que reconheceu a SELIC como índice válido para débitos trabalhistas.
A ADC 58 e a uniformização dos critérios de atualização e juros
O voto também faz referência à esfera trabalhista, destacando que o Supremo Tribunal Federal reconheceu a validade da Taxa SELIC como índice de correção monetária e de juros moratórios em substituição à Taxa Referencial – TR.
Esse entendimento foi consolidado no julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 58/DF, na qual se discutiu o índice aplicável aos créditos decorrentes de condenações trabalhistas e aos depósitos recursais na Justiça do Trabalho.
O STF declarou a inconstitucionalidade do art. 1º-F da Lei 9.494/1997, por considerar que a TR não refletia a inflação real e, portanto, era insuficiente para assegurar a recomposição do valor da moeda.
No campo trabalhista, a inadequação da TR gerou insegurança e levou o STF a adotar o IPCA-E como índice substitutivo. Todavia, tal solução revelou-se problemática, pois partiu de uma indevida equiparação entre os créditos trabalhistas e aqueles devidos pela Fazenda Pública, os quais se submetem a regime jurídico específico da Lei 9.494/1997.
O próprio Supremo, ao apreciar a matéria, assinalou que a questão exigia análise própria no âmbito da CLT e concluiu que a TR não atendia aos fins de recomposição monetária dos débitos trabalhistas.
Nesse cenário, a ADC 58 desempenhou papel central ao fixar a Taxa SELIC como índice aplicável não apenas nas condenações cíveis, mas também nos créditos trabalhistas em fase judicial, afastando definitivamente a TR e esclarecendo que não é possível cumulá-la com outro índice de correção, sob pena de bis in idem.
Portanto, no julgamento da ADC 58, o STF fixou que:
- Até que sobrevenha solução legislativa, devem ser aplicados aos créditos decorrentes de condenação judicial e à correção de depósitos recursais na Justiça do Trabalho os mesmos índices vigentes para as condenações cíveis em geral (art. 406 do CC/2002), ressalvando-se as dívidas da Fazenda Pública, que possuem regramento específico;
- Para a fase judicial, determinou-se expressamente a aplicação da Taxa SELIC, considerando que ela já incide como juros moratórios dos tributos federais (arts. 13 da Lei 9.065/95; 84 da Lei 8.981/95; 39, §4º, da Lei 9.250/95; 61, §3º, da Lei 9.430/96; e 30 da Lei 10.522/02);
- Assentou-se, ainda, que a SELIC não pode ser cumulada com outro índice de atualização monetária, sob pena de configurar bis in idem.
Esse precedente é de grande relevância porque estabelece um paralelismo entre as condenações trabalhistas e cíveis, deixando claro que a SELIC é o índice legal de aplicação obrigatória nas hipóteses do art. 406 do Código Civil, com exceção das dívidas da Fazenda Pública, submetidas ao regime próprio do art. 1º-F da Lei 9.494/1997.
Ao reafirmar a SELIC como parâmetro único de atualização e juros, o STF reforçou não apenas a segurança jurídica e a uniformidade jurisprudencial, mas também a coerência sistêmica entre o Direito Civil, o Direito do Trabalho e o Direito Tributário.
A título ilustrativo, tem-se um exemplo real de condenação em reclamação trabalhista, cujo valor foi apurado pelo perito judicial com atualização pela TR, resultando em montante líquido de R$ 115.962,39. Já na simulação elaborada pelo perito contábil da parte reclamada, com aplicação dos parâmetros fixados na ADC 58/STF, o valor projetado é de aproximadamente R$ 90.000,00. A comparação demonstra, de forma concreta, o impacto significativo da adoção do critério definido pelo Supremo Tribunal Federal.
Impactos da decisão
A reafirmação da SELIC como taxa legal de juros moratórios no direito civil tem importantes repercussões:
- Uniformização jurisprudencial: consolida-se o entendimento já firmado pela Corte Especial do STJ (EREsp 727.842/SP, rel. Min. Teori Zavascki), garantindo maior previsibilidade nas relações obrigacionais;
- Segurança jurídica: evita a proliferação de interpretações divergentes nos tribunais locais, que ora aplicavam 1% ao mês, ora a SELIC;
- Coerência sistêmica: alinha o direito civil ao direito tributário e econômico, evitando que obrigações civis passem a ter encargos financeiros desproporcionais em relação às operações regidas pela política monetária nacional.
A Lei nº 14.905/2024
Durante o trâmite do julgamento, sobreveio a Lei nº 14.905, de 2024, que alterou expressamente o art. 406 do Código Civil para positivar a aplicação da SELIC como a taxa legal de juros moratórios.
Embora a questão de ordem sobre a lei tenha perdido objeto no STJ – justamente porque o relator, Ministro Luís Felipe Salomão, votou no sentido de rejeitar a incidência da Selic como taxa de juros moratórios no caso de obrigações civis – a sua edição reforça, de forma definitiva, o entendimento consolidado no STF e no STJ de que a SELIC é o índice oficial aplicável nas relações civis quando não houver estipulação contratual ou disposição diversa em lei.
Conclusão
O voto do Ministro André Mendonça, ao negar provimento ao recurso extraordinário, reafirma a interpretação segundo a qual a taxa SELIC é a taxa legal prevista no art. 406 do Código Civil, por ser aquela aplicável à mora no pagamento de impostos federais.
A adoção da SELIC decorre da necessidade de assegurar coerência entre o sistema jurídico e a política econômica do Estado brasileiro, em estrita observância à literalidade da lei e aos limites de atuação do Poder Judiciário.
O desfecho legislativo com a edição da Lei nº 14.905/2024, que positivou expressamente a SELIC no art. 406 do Código Civil, encerra a controvérsia e confirma, de forma definitiva, a orientação jurisprudencial construída pelo STF e pelo STJ.
Assim, a adoção da SELIC como índice único de atualização e juros moratórios representa um marco de uniformização e estabilidade no sistema jurídico, assegurando equilíbrio nas relações obrigacionais e alinhamento com a política econômica nacional.
Este artigo foi útil? Somos um escritório especializado em Direito Trabalhista, entre outras áreas, e estamos à disposição para ajudá-los! Entre em contato conosco por meio do nosso formulário!
Nos acompanhe pelo Instagram e LinkedIn e fique por dentro de todas as novidades e temas de seu interesse!


