Tenho dívidas a pagar. Minha CNH e meu passaporte podem ser apreendidos?

Sim! Não só a apreensão do passaporte e a suspensão da CNH, mas também a proibição de participação em concursos e licitações podem ser determinadas judicialmente para garantir o cumprimento de ordens judiciais e forçar o pagamento de dívidas.

No entanto, essas medidas coercitivas devem ser justificadas por um benefício prático e essencial para a quitação da dívida, não podendo ser utilizadas apenas como ferramentas de constrangimento. É fundamental comprovar a existência de fraude ou atos que impeçam o cumprimento da decisão, tais como a ocultação de bens ou demonstração de estilo de vida incompatível com a alegada incapacidade de pagamento.

Confira como tem sido as decisões dos Tribunais (STF, STJ, TST e TRT) nesse sentido

O Superior Tribunal Federal (STF), no julgamento da ADI 5941, com transito em julgado 09/05/2023, declarou constitucional o artigo 139, inciso IV, do CPC, que permite ao juiz determinar medidas necessárias para garantir o cumprimento de ordens judiciais, inclusive em ações envolvendo pagamento de valores.

A Corte destacou que a aplicação dessas medidas deve ser avaliada com base nas circunstâncias específicas de cada caso, e desde que respeitem o devido processo legal, a proporcionalidade e a eficiência.

Ou seja, não se pode decretar essas restrições de maneira automática. O juiz precisa considerar se a medida é adequada e necessária, avaliando, por exemplo, se o devedor está ocultando bens ou utilizando manobras protelatórias para evitar o pagamento.

Portanto, para o STF:  

  • O Poder Judiciário deve ter instrumentos para garantir o cumprimento das decisões e responsabilizar as partes que não agem de acordo com a cooperação e boa-fé;
  •  A adoção dessas medidas não significa punir devedores que realmente não têm meios de pagar suas dívidas, mas sim evitar que situações contrárias à lei se perpetuem por manobras;
  • A efetividade dessas medidas também promove a cooperação durante o processo e reduz a duração dos litígios;
  •  A escolha das medidas coercitivas deve ser feita com base no contexto do caso, visando atingir apenas devedores que deliberadamente ocultam recursos para evitar o pagamento.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) também já se pronunciou acerca da possibilidade de adoção de medidas executivas atípicas (art. 139 IV do CPC), como a suspensão da Carteira Nacional de Habilitação e a apreensão do passaporte do devedor, mas desde que observadas balizas ou meios de controles efetivos (REsp 1782418/RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, STJ, 3ª Turma, DJe 26/4/2019).

Para o STJ as medidas coercitivas são válidas, desde que:

  • Verificada a existência de indícios de que o devedor possua patrimônio expropriável;
  • As medidas sejam adotadas de modo subsidiário, por meio de decisão que contenha fundamentação adequada às especificidades da hipótese concreta;
  • Haja observância do contraditório substancial e do postulado da proporcionalidade.

Da mesma forma, a Subseção II Especializada em Dissídios Individuais (SBDI-2) do Tribunal Superior do Trabalho (TST) reconheceu, em caráter excepcional, a possibilidade de apreensão da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) como medida coercitiva para forçar o pagamento de verbas trabalhistas devidas (Processo nº RO-1237-68.2018.5.09.0000, rel. Min. Delaíde Miranda Arantes).

Os Ministros do TST estabeleceram alguns critérios que devem ser considerados para autorizar a apreensão da CNH, critérios esses que podem ser aplicados de forma analógica à apreensão de passaportes e outras medidas coercitivas:

  • A inexistência de patrimônio por parte do devedor para quitar os débitos trabalhistas, aferido após a utilização de todas as medidas típicas sem sucesso;
  • Decisão fundamentada, considerando as particularidades de cada caso em análise, especialmente a conduta das partes na execução;
  • Submissão ao contraditório;
  • Observância dos critérios da proporcionalidade, razoabilidade, legalidade e eficiência.

Resumo do caso da SBDI 2 do TST:

No caso julgado pela SBDI-2 do TST, o executado impetrou mandado de segurança contra a decisão do juiz da Vara do Trabalho de Foz do Iguaçu/PR, que havia determinado a suspensão de sua Carteira Nacional de Habilitação (CNH). A suspensão foi ordenada porque não foram encontrados meios para a quitação do crédito trabalhista devido.

O executado estava em local incerto, e não foram encontrados bens passíveis de penhora, apesar de diversas diligências realizadas por meio dos sistemas Bacenjud, Renajud e CNIB, e da inclusão de seu nome no Serajud. Todas as tentativas de localizar bens móveis, imóveis ou aplicações financeiras resultaram infrutíferas.

Diante da ausência de cooperação do executado, que não informou seu endereço atual, não indicou bens penhoráveis e não apresentou proposta de acordo para saldar a dívida trabalhista, o juiz decidiu pela suspensão da CNH. A decisão também considerou que essa medida não era abusiva nem restringia o direito de ir e vir, pois o executado, em sua petição inicial, admitiu não possuir carro próprio e não comprovou que sua atividade profissional dependia da CNH.

Portanto, a medida foi entendida como válida e proporcional ao caso concreto.

Por fim, o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT-2) também já se debruçou ao tema entendendo que a determinação de suspensão de documentos como a CNH e o passaporte, longe de ser uma medida coercitiva para o pagamento de dívidas, pode se configurar como mera penalização do devedor (AP-0251000-17.1999.5.02.0032, DJE de 07.05.2024).

O TRT-2 ressalta que essa disposição só deve ser aplicada se tiver utilidade prática e for necessária para garantir a satisfação do direito em questão, sendo vedado o uso dessas medidas como punição e constrangimento ao devedor.

Para que seja justificada, deve haver comprovação de que o devedor está utilizando meios fraudulentos ou impedindo a execução da sentença, seja por ocultação de bens, seja por demonstrar um estilo de vida incompatível com a situação apresentada no processo. Isso inclui, por exemplo, a exibição de viagens internacionais ou luxo em redes sociais, incompatíveis com a alegada incapacidade de pagamento.

Conclusão

Embora ainda haja um intenso debate sobre o assunto e entendimentos diversos nos tribunais, as decisões judiciais que favorecem o uso de medidas coercitivas, como a suspensão da CNH, a apreensão do passaporte e o bloqueio de cartões de crédito, deixam claro que essas ações só são justificáveis quando proporcionam um benefício prático e essencial para a quitação da dívida, mas que não devem ser usadas como meras ferramentas de constrangimento. É necessária a comprovação de fraude ou de atos que dificultem o cumprimento da sentença, como a ocultação de bens ou a ostentação de um estilo de vida que contrasta com a situação financeira do devedor.

Em casos de inefetividade na execução judicial, essas medidas podem ser eficazes para impedir comportamentos protelatórios e garantir a realização prática da justiça. Assim, o juiz pode autorizar medidas atípicas de execução, mas deve avaliar cuidadosamente o contexto do caso e exercer seu poder de cautela, buscando um equilíbrio entre a eficácia das ordens judiciais e a proteção das liberdades individuais.

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Fonte:

Acórdãos STF, SBDI 2 do TST e TRT 2ª Reg.

https://conexaotrabalho.portaldaindustria.com.br/noticias/detalhe/trabalhista

https://www.migalhas.com.br/quentes/411275/trt-2-nega-suspensao-de-cnh-por-nao-satisfazer-divida-trabalhista

https://ibdfam.org.br/artigos/2015/As+medidas+at%C3%ADpicas+e+o+julgamento+da+ADI+5941+-+O+embate+entre+a+efetiva%C3%A7%C3%A3o+da+tutela+jurisdicional+e+a+suposta+viola%C3%A7%C3%A3o+aos+direitos+fundamentais

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