Contratar um trabalhador para realizar determinada função e delegar para ele atividades típicas de outro cargo pode gerar implicações trabalhistas. O trabalho é um direito social de livre escolha, que deve ser exercido em condições justas e favoráveis, garantindo ao trabalhador e sua família uma remuneração adequada que proporcione uma existência digna.
Embora fundamentado no princípio da subordinação jurídica (arts. 2º e 3º da CLT), o empregador deve remunerar o trabalho extraordinário ou aquele prestado além do inicialmente acordado, sob pena de enriquecimento sem causa.
O que é desvio de função?
O acúmulo de função ocorre quando um trabalhador, além das atividades para as quais foi contratado, passa a desempenhar outras funções de forma habitual.
Essa situação se configura quando, após a definição das funções do cargo, o empregado assume novas responsabilidades adicionais, resultando em uma alteração contratual.
O conceito de acúmulo de funções aplica-se apenas quando há uma incompatibilidade significativa entre as atribuições para as quais o empregado foi originalmente contratado e as novas tarefas que ele assume de forma cumulativa.
Acúmulo de função não se confunde com multifuncionalidade (art. 456, parágrafo único, CLT; art. 33, II, b, Lei 12.815/13), e nem quando as tarefas adicionais forem definidas desde a admissão, (arts. 444 e 456 da CLT).
O que diz a CLT:
De acordo com o art. 456 da CLT, se não houver cláusula específica sobre as funções, considera-se que o empregado está obrigado a realizar qualquer serviço compatível com sua condição pessoal. No entanto, se o trabalhador assume funções mais complexas ou diferentes das inicialmente acordadas, há a necessidade de um ajuste salarial correspondente, conforme dispõe o art. 468 da CLT.
O artigo 468 da CLT, ainda, estabelece que qualquer alteração nas condições pactuadas nos contratos individuais só é permitida mediante consentimento mútuo e, mesmo assim, desde que não cause prejuízo, direto ou indireto, ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula que violar essa garantia.
A CLT não prevê um adicional específico para o acúmulo de funções, o que exige buscar a solução para essa questão por meio de negociações individuais ou coletivas, ou ainda por vias jurisdicionais. Se a ampliação das funções for temporária e vinculada a uma função de confiança, pode-se optar por uma gratificação, que não se confunde com um aumento salarial definitivo.
O TST tem entendido que a mera realização de tarefas adicionais não configura acúmulo de funções, a menos que haja uma sobrecarga significativa e uma incompatibilidade entre as funções originais e as novas atribuídas. Entretanto, o princípio da isonomia e da irredutibilidade salarial são violados quando um trabalhador acumula funções sem a devida compensação.
Quais são as implicações do desvio de função para a empresa?
Na esfera judicial, é viável pleitear complemento salarial e seus reflexos, cabendo ao julgador avaliar a situação fática com critérios de razoabilidade e proporcionalidade.
Conforme previsto no artigo 818, da CLT, cabe ao empregado comprovar em juízo que exerce funções inerentes a outro cargo, ou seja, que os serviços prestados são estranhos ao acordado no contrato de trabalho.
Abaixo, listamos três consequências mais comuns nos processos que envolvem o acúmulo de função:
1. Alteração salarial
Em uma empresa, os salários variam conforme as funções desempenhadas, tornando essencial que as atribuições e a respectiva remuneração estejam claramente definidas no contrato de trabalho.
Caso o empregado exerça atividades diferentes das contratadas ou que demandem outra qualificação técnica, o empregador poderá ser obrigado a pagar a diferença salarial.
A solução pode ser alcançada tanto pela via individual, com a renegociação ou readequação salarial, quanto pela via coletiva, por meio da instituição de um adicional em Acordo Coletivo (ACT) ou Convenção Coletiva de Trabalho (CCT) para acúmulo de função.
2. Rescisão indireta
Além de fazer jus às diferenças salariais, se for comprovado que o trabalhador desempenha serviços alheios ao contrato, o empregado pode requerer o rompimento do vínculo empregatício.
Se o empregado trabalha exercendo determinadas atividades sem receber a remuneração equivalente, evidencia circunstância suficientemente gravosa a ensejar a rescisão indireta do contrato de trabalho por iniciativa do autor, pois demonstra o descumprimento das obrigações contratuais por parte da empregadora e abuso do poder diretivo, tornando inviável a manutenção do vínculo.
O empregado terá direito a rescindir o contrato e exigir todas as verbas rescisórias, inclusive indenização de 40% sobre o valor do FGTS, como se tivesse sido demitido sem justa causa.
3. Indenização
Em casos em que o aumento extenuante de atribuições é imposto ao trabalhador, levando-o à exaustão e ao desânimo pela impossibilidade de concluir as tarefas, agravado pela falta de contraprestação pelas novas responsabilidades, pode ser visto como lesão ao seu patrimônio imaterial, sendo-lhe devida a reparação pelos danos morais sofridos.
CONCLUSÃO
Como evidenciado, o desvio de função pode acarretar diversos transtornos para a empresa, além de gerar custos desnecessários. Dessa forma, é fundamental monitorar atentamente as atividades desempenhadas pelos trabalhadores, sendo que qualquer alteração nas funções deve ser previamente acordada entre as partes e formalmente inserida no contrato de trabalho.
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